segunda-feira, 18 de julho de 2011

Reescrever




Não é de hoje minha admiração pelo trabalho de Lulu Santos. Desde minha tenra idade, onde, proibido pela igreja de "ouvir música do mundo", escutava escondido, totalmente "rebelde", as melodias que ecoavam no toca fitas de um tio que morava próximo de casa. A musicalidade me encantava. Se me restava algum medo de estar em pecado, esse tio se encarregou de me tranquilizar dizendo que a música "A Cura" falava de Jesus. Na juventude embalou romance, fazendo-me gostar, escondido, de Beatriz Brandão, subentendido, tendo como trilha sonora "Apenas Mais uma de Amor". Talvez tenha sido o cantor “herege” que mais participou e cantou minha vida.


Aprendi muito. Aprendi a gostar de música que não a evangélica, que vida inteligente pulsa nos meandros do nosso mundo, que gente que não professa minha fé tem tanta coisa pra me acrescentar (se não mais) quanto àqueles que repetem meu credo. Que o homem, mesmo caído em pecado, é capaz de fazer ressurgir das suas cinzas a beleza da criação divina.


Ouvindo "Toda Forma de Amor" do CD Acústico acordei pra um fato que, deveras, já havia percebido, mas não internalizado: a música foi modificada. Frases importantes foram trocadas. A dissonância do meu canto com o de Lulu no CD do carro me fez perceber que, propositadamente, ele havia "errado" a letra e reescrito sua vida e sua forma de ver o mundo. Nas entrelinhas do seu instrumento de embelezar a vida Lulu estava me dizendo: "assim fica melhor". 


Eu tô grudado na vida (Eu to plugado na vida)
Eu tô curando a ferida
Às vezes eu me sinto uma mola encolhida (Às vezes eu me sinto uma bala perdida)
(....)
Você não leva pra casa
E só traz o que quer.
Eu sou seu homem, você é minha mulher (Eu sou um homem. Me diz você: qual é!?)



Há um medo e uma incapacidade na vida que imobiliza o homem: nada escapa de ser como é ou como foi feito. Não dá pra desfazer e refazer nada daquilo que fizemos. Uma vez configurado, nada deixa de ser como é. O que foi dito, jamais será "disdito". Mas, se não há como desfazer, o remédio, o antídoto para nosso veneno é reescrever.


Lulu me fez perceber que não é errado se arrepender de algo que escrevi, que vivi, que poderia ter escrito melhor, vivido melhor. Às vezes não é arrependimento, mas simplesmente perceber que, no contexto atual, seria melhor dizer de outra forma, atualizar-me. As palavras me traem principalmente quando nosso relacionamento já dura anos e elas já não expressam a inteireza do que sinto. Os sentimentos mudam. O eu que disse algo outrora já não é o mesmo agora. O mundo a minha volta, a vida, muda. Algumas ideias precisam ser trocadas para que permaneçam fieis ao espírito e não à letra. Elas têm data de validade.

Mais duro que ser acusado de volátil, é ser réu de uma consciência rígida, que por sua arrogância me encarcera sob sua imutabilidade cega. Desvencilhar-me desses grilhões faz parte do processo de aprendizado, amadurecimento; desconstrução e reconstrução de um homem mais humano, menos mítico, ilusório. Não sou super-herói. Não sou tutor de verdades absolutas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário