sexta-feira, 22 de março de 2013

Ensaio sobre o amor



Queria a clareza dos 80 e tantos anos do meu falecido avô que sem se importar com minha meninice me partilhava sabedoria. Não comprada, armada, fast-food de auto ajuda barata; ou cara. Era simples. Certeira. Vivida. Sabedoria que se firmava no riso baixo, chacoalhado, de olhos espremidos, quase debochado (um atributo familiar) ante as respostas incautas dos netos.

Minha inteligência não era fértil, toda fertilidade imaginativa pertencia a meu irmão, mas minha memória...

Lembro-me da frase, melhor diria árvore, que cresceu plantada por "Manel" no meu caminho: "o amor, meu filho, não existe".

Sentado triste sob essa árvore triste, dezessete anos depois, dirigindo meu carro de volta pra casa e John Mayer tocando no rádio "love ain't a thing, love is a verb" a maça de Galileu partiu meu pensamento: de fato, vô, o amor não existe.

Talvez não tenha não existido pra ti como, naquele momento, não existiu pra mim, mas, independente disso, concordamos. Ainda não estou certo da exata proporção de interesse por amor quadrado, mas, se é o que temos pra viver, que se chame amor.

O amor não existe na mesma medida que verbos não existem. Penso na beleza na música de Mayer e na complexidade de tecer fios de amor poético e humano. É, acima de tudo, verbo: exercido, provocado, imóvel por natureza. O amor só existe porque existo.

No final de tudo, permite-me fazer algo que adoro: dizer sobre ele algo que poderei contrariar sem desdizer. Como ensaio, posso fotografar suas infinitas poses e cores.

Essa é em tom pastel.

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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

De graça






Cheirava à naftalina o pensamento de blogar. Tinha teias. Ouvi um rangido de ferrolho de porta.

Mas era um daqueles dias, raros na vida, em que se acorda com um entusiasmo de destruição, de decomposição. Ou então, pra ficar mais otimista (palavra de apelo), uma vontade de abrir um atalho, criar uma nova rota, armar uma ponte ou então reescrever o final de um livro: um livro chamado “Deixe-me sonhar, pois é de graça!”.

Zeca Baleiro vive cantando em meus ouvidos, somos íntimos, “nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça”. Sonhar nunca será de graça. No barato, empenha-se tempo. No caro, felicidade. Em ambos, paga-se pouco ou muito da mesma moeda: vida.

Por sonhar moldamos os desejos. E desejos modificam os olhos que olham o mundo. Nenhum Fusca será a felicidade de quem sonha BMW.

E não me venham com essa de que quem não sonha não sai do lugar (imaginem uma meia-caixa-alta). Quem não sai do lugar é quem não gosta de viver. Caminhar por amar a paisagem é diferente de querer pisar o horizonte, dormir na viagem entre a casa e a cachoeira.

Nada contra o sonho. Tudo contra ser grátis.

Sonhar é se comprometer.



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